Depois de ter o seu banco, o Alfa-Bank, alvo de sanções pela União Europeia após início da guerra no Leste europeu, o sempre discreto empresário Mikhail Fridman abandonou o estilo “low profile” e vem se posicionando contra a invasão russa — reforçando até mesmo a sua “profunda ligação” com a Ucrânia. Naturalizado russo, Fridman nasceu em Lviv, próximo a fronteira com a Polônia, mas fez sua fortuna de US$ 11 bilhões (mais de R$ 55 bilhões) em terras russas.
A estratégia do cofundador da empresa de investimentos LetterOne, que nos últimos dias tenta se afastar da imagem de Vladimir Putin, envolve agora a defesa de seus negócios em outros países, inclusive no Brasil, e a saída da LetterOne, segundo o “Financial Times”. A participação do magnata foi “congelada” na empresa para proteger os investimentos, informou hoje o “FT”.
Em menos de uma semana, foram duas cartas publicadas pelo magnata e sua empresa, e uma entrevista coletiva, ontem, para defender a sua versão, após congelamento de parte de seus ativos.
Numa carta no site global da rede de varejo Dia, controlada pela LetterOne, o presidente-executivo da cadeia de supermercados, Stephan DuCharme, diz que a LetterOne, é uma empresa internacional de Luxemburgo, “da qual o sr. Mikhail Fridman é sócio, mas não possui controle ou participação majoritária”, disse na carta, antes da decisão de afastamento de Fridman.
Para reforçar o aspecto global dos negócios do bilionário, diz no mesmo texto que o Grupo Dia é uma empresa espanhola, presente hoje em quatro países (citando o Brasil entre eles) “e que o conselho de administração é formado por membros espanhóis, brasileiros e portugueses, que procuram refletir de forma plural os interesses dos diferentes mercados internacionais”.
A ligação com o Brasil
O Dia no Brasil é a segunda maior operação entre os quatro países onde atua. DuCharme é um dos braços direitos de Fridman e não só é sócio do LetterOne, como lidera o Dia no mundo. Há cerca de 15 dias, ele esteve em São Paulo, onde tem um apartamento e visita a operação da rede de supermercado regularmente, várias vezes ao ano.
Para uma fonte próxima ao Dia, o congelamento dos ativos de Fridman não deve impactar o Brasil, apesar de, no passado recente, em 2019, tenha sido preciso capital da LetterOne para salvar o Dia, inclusive a operação brasileira.
“A situação hoje é muito melhor do que naquela época. E a LetterOne é regida pela leis europeias, e não está em solo russo, então não pode ser afetada pelo congelamento [de ativos e contas]”, diz essa mesma fonte. Com a saída de Fridman da LetterOne, informada hoje, a ideia é proteger os vários negócios não diretamente afetados pelas sanções, e impedir que as sanções levem a um risco de reputação para os negócios, segundo noticiou hoje o “FT”.
Em 2019, pelo menos R$ 200 milhões foram injetados no Dia no Brasil, capital oriundo dos aportes da LetterOne no Dia, após uma crise envolvendo queda nas vendas e fraude contábil na operação brasileira.
Eram recursos para pagamento de despesas operacionais e custos originários de uma reestruturação que teve o aval de DuCharme e de Fridman, como disseram na época fontes ao Valor.
Fridman, depois de se tornar o sócio mais relevante no Dia por meio da compra de ações da rede pela LetterOne, teria se empenhado diretamente numa investigação que descobriu erros na contabilização de dados financeiros em balanços no país.
O comando foi trocado e DuCharme, homem de confiança de Fridman, passou a ser figura bem mais comum nos corredores da rede em São Paulo.
No esforço para mostrar as atividade globais de Fridman, e seu repúdio à guerra, DuCharme escreveu na carta da rede ao mercado ontem sobre a “rejeição absoluta à guerra”.
“Queremos transmitir ao povo ucraniano uma mensagem de solidariedade e apoio às dolorosas consequências humanitárias que afetam milhões de pessoas e que nos enchem de grande preocupação”. E continua, ao citar a origem da varejista, que “durante os mais de 40 anos de história, a participação acionária do Grupo Dia foi composta por investidores de diversas nacionalidades e origens”.
Em relação à sanção internacional imposta a Fridman, afirma que “quer transmitir uma mensagem de estabilidade e [dizer] que o Grupo Dia atualmente não foi afetado de forma alguma nos países em que opera”.
Ainda afirma que, como nenhum acionista da LetterOne detém, individualmente ou por acordo com outros acionistas, o controle da LetterOne, “nem o veículo de investimento e nem o Dia estão sujeitos a qualquer sanção”.
Esse talvez seja o recado mais importante que os sócios queiram passar ao mercado, de maneira a descolar a rede da imagem do empresário.
Filho de pais ucranianos (ele, que tem cidadania russa, nasceu e morou no Oeste na Ucrânia até os 17 anos), Fridman chegou a chamar uma coletiva de imprensa de 45 minutos, em Londres, na semana passada, para se defender de acusações. Mas sem ataques diretos a Putin, segundo a imprensa local.
“Meus pais sempre me disseram: você sabe, porque você é judeu, você não poderia estar nesta posição ou naquela posição, nesta universidade ou neste trabalho. Agora, estou enfrentando a mesma situação aqui no Ocidente, porque sou russo”, disse na coletiva, sinalizando que a sanção pode ser entendida como um ato discriminatório. Isso ocorreu dias após uma carta de Fridman contra a guerra, enviada a funcionário e em tom emocional, ter vazado na imprensa.
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